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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

TEATRO DO VESTIDO "VS." TEATRO PRAGA


ESTA É A MINHA CIDADE E EU QUERO VIVER NELA


Criação:
 Teatro do Vestido
Direção, texto, co-criação:
Joana Craveiro
Co-criação, Interpretação, Textos: 
Ainhoa Vidal, Estêvão Antunes, Inês Rosado, Miguel Bonneville, Rosinda Costa, Simon Frankel, Tânia Guerreiro


ZULULUZU

Criação
Teatro Praga
Texto e direção: 
Pedro Zegre Penim, José Maria Vieira Mendes e André e. Teodósio
Interpretação: 
André e. Teodósio, Cláudia Jardim, Diogo Bento, Jenny Larrue, Joana Barrios, Maryne Lanaro, Gonçalo Pereira Valves, Pedro Zegre Penim


O Vestido & A Praga. 
Como comparar os meus dois grupos de teatro favoritos de Lisboa? 

No Zonas #2 que fiz em 2007 (workshop dirigido pela Joana Craveiro) já se sentia a génese do que viria a ser Esta é a minha cidade e eu quero viver nela - peça muito bem conseguida em que o público é retirado da anonimidade do seu lugar sentado em frente à "caixa preta" e é levado a passear num pequeno grupo pelos meandros da Avenida da Liberdade onde os actores vão aparecendo imprevisivelmente e nos oferecem 7 visitas guiadas pelos seus mundos interiores em relação com a cidade. Exactamente o tipo de teatro que eu já implorava por ver desde... sempre! Fala-se muito do que foi e do que é hoje. Os espaços culturais que viraram hostels; as casas de meninas que eram um império naquela zona; o códigos de silêncio do fascismo, os livros que nos moldaram para a vida e o teatro de revista; os locais especiais, abandonados, descaracterizados ou característicos por isso mesmo; Taiwan e o Bonneville que meio fora de contexto começou a parir uma melancia; o senhor que vem de propósito para comprar dois pares de sapatos à mesma loja com horários muito peculiares; e a loucura que a memória colectiva pode causar ao colidir com a memória intrínseca de cada um - estamos todos no mesmo barco, a ver o tempo a flutuar inexoravelmente pelas paredes e as pessoas que se escondem dentro delas - tudo tão gradual que se não paramos para prestar atenção, nem reparamos no que já não existe. Melancólico, nostálgico... conscientemente comovente.


ZULULUZU é mais um fartote de desconstrução e provocação à la Praga! Pegam em Fernando Pessoa, sim, tocam nele ao de leve ou em fast forward, pela sua infância por África do Sul e nos pormenores mais lívidos que encontraram sobre essa época obscura e depois misturam tudo numa batedeira quântica e voilá! ZULU vira LUSO. No fundo, as always, gozam com o misticismo que doámos como nação a este escritor que até as suas deprimentes cartas de amor e papéis em branco já fomos desbotar e tentar comercializar. Pessoalmente, já não via Teodósio, Penim e Jardim em palco há demasiado tempo. Foi excelente, ri-me quase do principio ao fim. Vê-los a carpir a sua raiva against the machine, neste caso, a box cénica e todas as constrições da linguagem, da sociedade e da arte moderna que rotula só para não se sentir tão perdida num vazio conceptual à medida que o mundo muda mais rápido do que nunca... Tudo pode ser ZuluLuzu ao assim ser enunciado (foi o que aprendi, porque é por isso que eu vou ao teatro, para me instruir). Há quem não se ria no entanto, quem não conhece o seu trabalho ou estilo pode sentir-se um pouco ou tanto tonto por não ter um fio narrativo clássico (i.e. "Duh!") para onde dirigir o propósito destes adereços flamboyants e monólogos que invariavelmente terminam em canção numa língua inesperada, tipo lotaria. Durante a conversa (após o espetáculo) foi mencionado que a Praga deveria dar visibilidade a mais actores negros visto que está a falar de África e a chamar racista às várias instituições, tentando dar-lhe uma agenda queer etc. O que me fez rir ainda mais (a paródia prossegue) porque, sem saber, com este contraditório comentário acabou de ser doada toda a legitimidade criativa que pudesse faltar às esquizofrénicas associações da peça do que é ou não é ZULULUZU. O feiticeiro de Oz rejubila, your job is done: ZULULUZU é Anne Frank, Alan Kurdi, Jesus Cristo e Golfinhos em simultâneo; é spooky action at a distance porque ainda há quem não perceba que ao mesmo tempo que é uma critica à pequenez quadrada dos conceitos a regra e esquadro... é também uma comédia! ;)





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