Caffeine Intravenous

domingo, 3 de setembro de 2017

A poetisa Carolina Turboli e o seu livro Teatro de Ostra



“Scarface”


I
Teus olhos precisam de deserto

Tu preferirias tirá-los e finalmente
separar um do outro, deixando o direito
mais confortável pra ensiná-los a justiça ou
deixar o gauche queimar como bruxa ou

Sentindo prazer em enterrá-los vivos
enquanto o resto do corpo cega

Adivinhar que se debatem nos grãos
que arranham sem dó como gatos

mas não 
II
Repousas os olhos na mancha 
que me corta o umbigo, sente 
que se debatem – pombos 
esfomeados – tremelicam de leve e tu ficas
feio, não sou alquimista, tu saltas 
no meu corpo e me preenche 
de cobertas até que começo 
a te ensinar o fogo

Só então tu olhas o Sol 
recusas mais uma manhã

Meu corpo te mancha de terra.
III
Teus olhos precisam de um 
deserto como a mancha 
do meu umbigo precisa 
dos teus olhos me molhando

Teus olhos me comem e 
me alimentam

Te enraízas cada vez mais
Te afundas
IV
Se eu te desse um deserto
talvez a tua torneira de açúcar
fosse a cereja do bolo 

Não a loucura que respinga
Não a loucura que incomoda

Tu enfim me desertarias
mas não
V
O amor ignora o coração
porque fica preso nos olhos

VI
Manchaste-me.






HÚMUS de Raúl Brandão

 Escrito em 1917 e é sem a menor sombra de dúvida um dos livros portugueses mais incisivos em termos de angústia existencial, atingindo níveis de uma introspeção densa e perturbadora. Intemporal e tão intenso na sua repetição poética que, ao final, vira cansativo. Deixa qualquer um também vivo-morto e aos surdos gritos em busca de um deus silenciosamente omnipotente.


"Este é o nosso sonho, esta é a nossa vida oculta, nossa vida de desespero, nosso sonho desgrenhado e imenso, doirado e imenso, amargo e imenso. Bem sei que isto dói. Bem sei que isto me custa a encontrar e a reconhecer nesta noite de luar e espanto. Bem sei que isto de ser homem é de grande responsabilidade. Tem prós e contras terríveis. Também que o que nos separa dos bichos não é a inteligência: a inteligência é o menos. O que nos separa dos bichos é o esforço dos vivos e dos mortos, o compromisso de aceitarmos a mentira como se fosse verdade. O que nos mantém neste inferno é a arquitectura artificial, é o facto de não nos vermos tal qual somos, baseados numa convenção que julgamos indestrutível. De não nos vermos a nós e de não os vermos a eles. Porque o homem por dentro é desconforme. É ele e todos os mortos. É uma sombra desmedida. Encerra em si a vastidão do universo. Agora somos fantasmas, somos afinal só fantasmas, e o que construímos não cabe entre as quatro paredes de matéria.
Ouve-los? Ouve-los? Passaram séculos e séculos no fundo da terra. Levaram séculos a compreender que foram iludidos. Redobraram séculos de desespero no interior das covas, até se compenetrarem de que todo o sacrifício foi inútil, de que toda a dor foi inútil. Ouve-los com dor e desespero?...

(...)

Ser só e livre e encontrar-me - ainda que desgraçado -, que alegria frenética! Agora é que tu mandas em mim, agora é que tu te impões - ser extraordinário e solitário que te obstinaste, que pouco a pouco te impuseste e afinal venceste! Sim, há em te obedecer uma alegria estranha, em calcar a vida uma alegria que se não parece com nenhuma outra, dolorosa e imensa, vital e imensa. Tu, reconheço-o, é que és o meu verdadeiro ser, e a tua voz a minha verdadeira voz. Não importa que para trás se ouçam gemidos - todos os fantasmas se dissolvem à luz da madrugada (...)

25 de Novembro

Não me compreendo nem compreendo os outros. Tudo me parece inútil, e agarro-me com desespero a um fio de vida, como um náufrago a um pedaço de tábua.
Nem sei o que é a vida. Chamo vida ao espanto. Chamo vida a esta saudade, a esta dor; chamo vida e morte a este cataclismo. É a imensidade e um nada que me absorve; é uma queda imensa e infinita, onde disponho de um único momento.
Talvez o mundo não exista, talvez tudo no mundo sejam só expressões da minha própria alma. Faço parte de uma coisa dolorosa, que totalmente desconheço, e que tem nervos ligados aos meus nervos, dor ligada à minha dor, consciência ligada à minha consciência.

Cheguei ao ponto, Morte, em que não me metes medo. Aceito-te. De ti vem vida. Absorve-me. Só tu agora me prendes os olhos e de ti não posso arrancá-los. És o único mistério que me interessa. Confio em ti. Cheguei ao ponto. Morte, eu de ti só espero. Só tu resolves e explicas. Só tu acalmas. Aceito-te mas intimo-te. Toma a forma que quiseres, mais negra, mais trágica, mais torpe - bem cheia é a noite e estás cheia de luzes: - recebo-te, mas como um passo a mais para outra iniciação, para outro assombro, e até para mais dor, se quiseres, porque da dor extraio mais beleza, mais vida e mais sonho. 

26 de Novembro

Está tudo errado. Só há um momento em que o compreendemos. Mas nesse momento já não podemos voltar para trás. É quando, fazendo ainda parte dos vivos, fazemos já parte dos mortos.

Não só a sensibilidade universal - a inteligência é exterior e universal. 

O universo é uma vibração. A vida é uma vibração da vibração.

A matéria também existe em estado de nebulosa - isto é, em estado de dor. 

Toda a teoria mecânica do universo é absurda. Daqui a alguns anos todos os sistemas serão ridículos - até o sistema planetário.

O sonho completo é o universo realizado."


sexta-feira, 1 de setembro de 2017

FESTIVAL FORTE


What an amazing festival inside Montemor-o-Velho's castle with a eclectic mix of happy people, impeccable design and some of the best electro-techno beats known from all over Europe. Definitely don't miss: www.festivalforte.com



EUROPEAN RAINBOW GATHERING IN ITALY 2017


The chants, the holding hands and dancing around the fire all night long in the 1200meter high cold somehow rapidly sinks in and starts to feel very right in every human being, as if, we've all done this in the past for many millennia. Although I was aware Rainbow Gathering's follow a certain degree of rules and appear to be a cult-like meeting of like minded hippie souls... the fact to the matter is that all the rules and quite basic and make their absolute sense in order to maintain a surviving community of 2000 people eating and breathing and happy in the middle of a not easily accessible mountain valley somewhere in the Pre-Alps. It was a phenomenal experience to turn off, tune in, and join in since it has become actually revolutionary these days to just experience nature and perceive time in the wild with no job description, deadlines or emails, (neither drugs, booze or transports), just ourselves and our body-mind, exploring the outskirts of a living nomadic utopia <3